Marcela Terra de Macedo e Galderise Teles. Publicado no portal JOTA em 22/9/2020. Link
A temática referente ao ressarcimento de ICMS-ST na modalidade substituição tributária para frente, quando a base de cálculo efetiva for inferior à presumida, já fora analisada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, após mais de 15 (quinze) anos de trâmite, por meio do julgamento conjunto do RE nº 593.849/MG e ADIN’s n. 2.777/SP e 2.675/PE.
O cerne do caso obteve, como resultado final de julgamento e pacificação de entendimento, pelo Supremo Tribunal Federal, a seguinte tese (Tema nº 201): É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida.
Em que pese o julgamento, e pacificação da questão, ter sido realizado em Outubro de 2016, o estado de São Paulo, apenas em 2018, por meio do Comunicado CAT 06/2018 (com publicação no DOE 22-05-2018), determinou que o ressarcimento apenas seria realizado nas situações em que o preço final tivesse sido autorizado ou fixado por autoridade competente (§ 3º do artigo 66-B da Lei estadual 6.374/1989).
Por certo, referido entendimento esvaziava o conteúdo decisivo emanado da Suprema Corte, posto que o ente político não mais realizava, de forma expressa, a autorização ou fixação do preço final, ou seja, dificultava o real ressarcimento pretendido e devido aos Contribuintes Paulistas.
Várias foram as insurgências geradas em decorrência de mencionado Comunicado, o que fez com que o próprio órgão administrativo estadual realizasse manifestação complementar, que ocorreu por meio do Comunicado CAT 14/2018 (com publicação no DOE 13-12-2018), tratando da mesma temática, enunciando entre outros termos que: “conforme manifestação complementar da PGE/SP, depois do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.777 e do Recurso Extraordinário 593.849, ficou sedimentado o entendimento de que o artigo 66-B, II, da Lei 6.374/89, julgado constitucional sem qualquer menção ao seu novo § 3º, deve ser aplicado pela Administração. Para o ressarcimento do ICMS pago antecipadamente pelo regime de substituição tributária, em decorrência de hipótese prevista no artigo 66-B, II, da Lei 6.374/89, será admitido pedido referente a período posterior a 19-10-2016, data em que foram tornadas públicas as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o tema”.
Assim, o novo comunicado restabeleceu a decisão do Supremo Tribunal Federal, retirando a necessidade de preço final autorizado ou fixado por autoridade competente para realização do ressarcimento, porém delimitando o período do direito ao ressarcimento a período posterior a 19 de outubro de 2016, data em que se tornaram públicas as decisões definitivas do STF sobre a temática.
Face as diversas insurgências dos contribuintes paulistas, o caso chegou à apreciação do Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio de seu Órgão Especial, pelo leading case nº 0033098-49.2018.8.26.0000. Em mencionado Órgão, restou sedimentado, de forma unânime, a inconstitucionalidade do § 3º, do inciso II, do artigo 66-B, da Lei Estadual nº 6.374/1989, que justamente impunha óbices à aplicação da decisão emanada da Suprema Corte, eis que mencionado artigo admitia o ressarcimento do imposto estadual recolhido a maior somente nas situações em que o preço final tivesse sido autorizado ou fixado por autoridade competente.
Na ocasião de mencionado reconhecimento de inconstitucionalidade promovido pela legislação paulista, devidamente afastada como visto, também se pronunciou o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre a modulação de efeitos – pretendida pelo Estado por meio do Comunicado CAT nº 14/2018, que, segundo o Acórdão de julgamento, deveria observar a ADIN nº 2.777/SP, por se tratar da legislação paulista, ou seja, a priori, sem modulação de efeitos.
Contudo, ingressou a Fazenda Pública com Embargos de Declaração, onde se buscava a preservação do entendimento do Comunicado CAT 14/2018, para delimitação do período de ressarcimento (apenas de 19 de outubro de 2016 para frente).
Referido entendimento fazendário esbarraria na própria lógica jurídica da Ação Direta de Inconstitucionalidade, e do que restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento conjunto do RE nº 593.849/MG e das ADIN’s 2.777/SP e 2.675/PE, pois:
1. A temática foi levada à análise do STF, por meio de três processos distintos, sendo dois deles ADINS´s, uma do Estado Paulista e outro do Pernambucano, e um Recurso Extraordinário de Minas Gerais.
2. O objeto das ADINS´s foram enunciados de ambos os estados que permitem o ressarcimento do ICMS/ST, ao passo que o objeto do Recurso Extraordinário foi enunciado que vedava o referido ressarcimento.
3. Em que pese ter ocorrido a modulação de efeitos para o Recurso Extraordinário, os enunciados da legislação paulista e pernambucana foram reconhecidamente considerados constitucionais.
4. Nesse sentido, a pretensão da Fazenda Pública esbarra diretamente na Lei nº 9.868/99, especialmente em seu artigo 27: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. (grifo nosso).
Imperioso o reconhecimento que a modulação de efeitos exige de forma primordial a declaração de inconstitucionalidade, e no presente caso da legislação paulista o que se tem é nítida declaração de constitucionalidade. Aliás, tal fato não passou despercebido pelos julgadores do STF, na própria ADIN paulista nº 2.777/SP, em passagem do voto do ministro Luís Roberto Barroso: “Por se tratar, presidente, de leis que deferiam o benefício – portanto, asseguravam uma posição mais favorável para o contribuinte, e a ação é de constitucionalidade –, não vejo razão evidentemente para modular os efeitos temporais. Eu até admito, em doutrina, a excepcional possibilidade de se modularem efeitos em uma ação declaratória de constitucionalidade; mas certamente este não é o caso” (grifo nosso)
É nítida a tentativa do Estado de minimizar o impacto financeiro da decisão, sem nenhuma preocupação jurídica com a temática, desconsiderando inclusive todo o período de recolhimento a maior que já recebeu, e está inclusive fora do alcance do lustro decadencial, razão pela qual se motivou a oposição de mencionados Embargos Declaratórios pela Fazenda Pública de São Paulo.
Mencionado recurso foi objeto de apreciação, novamente, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, no leading case acima mencionado que, de forma surpreendente, acatou o pedido fazendário para constar que a modulação de efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade deveria seguir à semelhança da Repercussão Geral (Tema nº 201) do STF, aplicando-se, assim, a modulação lá definida, diante das especificações acima expostas.
Assim, em nítido caráter infringente, o Tribunal de Justiça de São Paulo logrou aplicar a modulação de efeitos, emanada do RE nº 593.859/MG, desconsiderando o que restou decidido na ADIN nº 2.777/SP do estado de São Paulo, que reconheceu a CONSTITUCIONALIDADE da legislação paulista desde seu nascedouro.
Nesse ponto, não se encerra a discussão para os Contribuintes Paulistas que devem iniciar novamente a persecução, perante os Tribunais Superiores (especialmente o Supremo Tribunal Federal), em busca da manutenção do entendimento proveniente da ADIN nº 2.777/SP que, como visto, reconheceu a constitucionalidade da Legislação Paulista, não permitindo falar-se em modulação, naqueles autos, pela afirmação da legalidade e constitucionalidade do devido ressarcimento de valores recolhidos a maior na modalidade de substituição tributária.
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