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Fonte: JOTA | Link
Ricardo Botós da Silva Neves
No ultimo dia 1º de setembro passou a vigorar a Instrução CVM 607/2019 pela qual a Autarquia Federal regulamentou o procedimento sancionador previsto no artigo 33, da Lei 13.505/2017 no âmbito daquele órgão fiscalizador do Mercado de Capitais no Brasil. A citada norma trouxe várias inovações ao procedimento, dos quais podem ser destacados como os principais: (i) a criação de uma fase pré-sancionadora que representa uma etapa anterior à citação para responder o processo administrativo sancionador. Nesta fase é realizada uma investigação preliminar, como se fosse um inquérito onde são apurados os indícios e materialidade de ilícitos praticados por pessoas sujeitas à fiscalização da CVM. (ii) a concessão de uma flexibilidade para que a CVM deixe de seguir com um processo administrativo, uma vez que os fatos relatados sejam de pequena monta ou de baixa relevância para o Mercado de Capitais e, com isso, possa se dedicar a casos que realmente tenham repercussão e que exijam todo o empenho da CVM. (iii) A previsão legal de que o processo deve correr em sigilo. (iv) Imposição de prazo para apresentação de defesa pelos acusados. (v) Aplicação do in dubio pro reo no caso de empate no julgamento do processo administrativo. (vi) A possibilidade de formalização de Acordo de Supervisão pelo investigado. (vii) A criação de parâmetros para o cálculo das multas, inclusive, o seu caráter reparador quando não for possível quantificar o tamanho do prejuízo causado, assim como os casos de aplicação das multas em valor absoluto, que terá lugar quando existirem várias situações nas quais o valor dos danos não pode ser quantificado. O presente artigo dedicará maior atenção a análise da possibilidade do acusado em um processo administrativo sancionador formular um Acordo de Supervisão com o objetivo de colocar fim ao procedimento, extinguindo a aplicação de penalidades ou a diminuição, dependendo do caso. Com a edição da Instrução 607, a CVM cria a possibilidade do acusado no processo sancionador formalizar um acordo com características tanto de leniência como de delação premiada, pois existe a confissão da própria culpa pelo infrator (leniência), assim como a necessidade de apresentação de provas da participação de outras pessoas (delação). O acordo poderá trazer o benefício total para o colaborador, ou seja, a não aplicação de nenhuma penalidade se no momento da formalização do Acordo de Supervisão a CVM não tinha conhecimento da infração. Portanto, se a infração já era de conhecimento da CVM o infrator poderá conseguir uma redução nas penalidades a serem aplicadas, mas não a isenção completa. A norma traz claramente que será considerado de conhecimento prévio da CVM a infração já tenha sido no momento da formalização do Acordo de Supervisão objeto de envio de oficio pré-sancionador ao investigado ou reportado em relatório de inquérito administrativo. Desta forma, mesmo que a CVM já tenha o conhecimento da infração, mas nenhum dos atos anteriormente citados tenham sido realizados, o eventual benefício obtido pelo colaborador será integral. Contudo, existe um fato deve ser um desestimulo à formalização do Acordo de Supervisão por pessoas físicas, que é a obrigação da CVM comunicar ao Ministério Público a infração que também caracterizar um crime. Neste caso, o infrator colaborador reconhecerá a culpa pela infração perante autoridade administrativa, sem nenhuma garantia de um benefício na esfera criminal. Com isso, parece que o candidato ao Acordo de Supervisão deveria antes, ou até mesmo concomitante, buscar um acordo de colaboração com o Ministério Público, para assim também obter uma vantagem na esfera criminal. Porém, o acordo parece que será uma boa opção para a empresa, pois na maioria dos casos não é passível da responsabilização penal. Com isso, uma vez que a empresa formalize o acordo e delate outros participantes, pessoas físicas ou empresas, obterá o prêmio (isenção total ou parcial da penalidade, dependendo do caso, como já anteriormente esclarecido), sem nenhum tipo de exposição penal. Outra forma de benefício, neste caso às pessoas físicas, é a hipótese de administradores que depois de assumirem uma companhia descobrem que foram cometidas infrações por gestões anteriores. Nesta hipótese ocorreria somente uma delação sem a leniência, pois não haveria o reconhecimento de culpa. Com efeito, como em qualquer norma de leniência ou delação, o objetivo do Acordo de Supervisão previsto na Instrução CVM 607 é o de estimular, mediante um prêmio, que um dos participantes de uma infração rompa com o silêncio. O tema do Acordo de Supervisão ainda demandará análises mais profundas com o objetivo de se entender melhor a extensão dos seus efeitos. Contudo, representa um importante marco na arcabouço de normas que regulamentam o Mercado de Capitais no Brasil, de forma a torná-lo cada vez maior e mais forte, o que somente é possível com a proteção dos interesses dos investidores contra fraudes que possam ser praticadas por agentes do mercado.
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