Em 30 de dezembro de 2023 foi publicada a Lei nº 14.790/2023, que dispõe sobre a regulamentação das apostas esportivas, tratadas na lei como modalidade lotérica de “apostas de quota fixa”.
A lei em questão tratou diversos pontos sobre o tema, como a definição legal do conceito de apostas eletrônicas, as regras para outorga e funcionamento das empresas do ramo, as regras de publicidade, e a tributação aplicável ao setor.
Neste último ponto, o Presidente da República vetou os § 1, 2 e 3º do Art. 31, que dispunham sobre os meios de recolhimento do Imposto de Renda, e a isenção aos valores abaixo da primeira faixa da tabela de incidência mensal do IR:
“§ 1º Para os efeitos do disposto neste artigo, considera-se prêmio líquido o resultado positivo auferido nas apostas de quota fixa realizadas a cada ano, após a dedução das perdas incorridas com apostas da mesma natureza.”
“§ 2º O imposto de que trata o caput deste artigo incidirá sobre os prêmios líquidos que excederem o valor da primeira faixa da tabela progressiva anual do IRPF.”
“§ 3º O imposto de que trata o caput deste artigo será apurado anualmente e pago até o último dia útil do mês subsequente ao da apuração.”
Com o veto, manteve-se apenas a indicação de que o prêmio líquido obtido em apostas em quota fixa será tributado pelo Imposto sobre a Renda de Pessoas Físicas (“IRPF”) à alíquota de 15% (quinze por cento), e que a mesma regra será aplicada ao fantasy sport.
O veto aos parágrafos do Art. 31 foram sugeridos pelo Ministério da Fazenda, sob a justificativa de que “A manutenção dos §§1º e 3º do art. 31 do PL ensejaria uma tributação de imposto de renda distinta daquela verificada em outras modalidades lotéricas, havendo assim distinção de conduta tributária sem razão motivadora para tal. Outrossim, a manutenção do §2º do art. 31 do PL também iria de encontro à isonomia tributária, nos termos do art. 150, II, da Constituição Federal, já que traria uma lógica de isenção de imposto de renda em desacordo com o regramento ordinário existente no âmbito do recebimento de prêmios das loterias em geral, estabelecido pelo art. 56 da Lei nº 11.941, de 2008.”
Não obstante, diferentemente do que fora alegado, é a própria manutenção deste veto que ensejará a “distinção de conduta tributária sem razão motivadora para tal”, visto que os artigos 1º e 2º previam forma de tributação mais adequada à modalidade de loteria discutida pela lei, e que a isenção de pagamento do IR sobre os valores os quais não atingissem a primeira faixa da tabela mensal é aplicável aos demais modalidades lotéricas, não o sendo apenas para as apostas esportivas, em razão desta lei.
Na prática, a comparação com os jogos lotéricos comuns fora utilizada para impedir a tributação apenas do saldo positivo, mas não para manter a isenção de valores que não superassem a primeira faixa da tabela mensal do IRPF, mantendo para o contribuinte, o pior dos dois mundos.
Antes da entrada em vigor da Lei nº 14.790/2023, a tributação das apostas esportivas era regida pelo Art. 31 da Lei nº 13.756/2018 que indicava: “Sobre os ganhos obtidos com prêmios decorrentes de apostas na loteria de apostas de quota fixa incidirá imposto de renda na forma prevista no art. 14 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964 , observado para cada ganho o disposto no art. 56 da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009”
Ou seja, no regime anterior, em cada aposta que se obtivesse resultado favorável, haveria uma retenção de 30% (trinta por cento) pela própria casa de apostas, porém, esse valor somente seria retido caso o êxito ultrapassasse o valor de R$ 2.112,00 (dois mil e cento e doze reais), nos moldes do que ocorre nos jogos lotéricos convencionais.
Com a alteração, a alíquota aplicável caiu para 15% (quinze por cento), também sobre cada aposta, mas incide agora sobre qualquer ganho, visto que não há isenção dos valores abaixo da primeira faixa, e ainda deverá ser recolhido pelo próprio apostador, visto que não haverá retenção pela casa de apostas.
A alteração é significativa na medida que, mesmo com a redução da alíquota, o número de apostas atingidas será muito maior, visto que, conforme estimativa do Ministério da Fazenda, aproximadamente 70% (setenta por cento) dos ganhos obtidos individualmente nas casas de apostas não ultrapassam a faixa de R$ 2.112,00 (dois mil e cento e doze reais), ou seja, não seriam tributados no regime anterior.
É importante ressaltar que a incidência de IR sobre ganhos auferidos por pessoas físicas já existe, como no caso do rendimento na operação de compra na bolsa de valores, porém, nesta situação, o contribuinte, além de só tributar os ganhos que superem a primeira faixa do IRPF, pode abater eventual prejuízo sobre o valor que obteve de êxito, o que, com a revogação do §1º, não poderá ser feito no caso das apostas esportivas, o que como já citado, coloca o apostador no pior cenário de tributação possível.
Não obstante o cenário prejudicial criado aos apostadores, a lei padece de vício quanto à vigência da tributação estabelecida, visto que, considerando a revogação da isenção aos valores que não superassem a primeira faixa mensal do IRPF, deveria ser observada a anterioridade nonagesimal para o início de validade da medida, em respeito ao princípio da não-surpresa.
Os vetos realizados na lei ainda poderão ser alvo de discussão pelo Congresso Nacional, cabendo agora aguardar possíveis mudanças na legislação, e caso contrário, para garantia de se ao menos afastar a tributação já nos primeiros noventa dias de 2024, será necessário o ajuizamento de medida judicial.
Assim, em que pese os benefícios que poderão ser trazidos pela regulamentação do mercado das apostas esportivas visando garantir o jogo responsável e uma maior segurança de recebimento dos valores pelos apostadores, a Lei nº 14.790/2023 acabou por tornar a tributação deste setor majorada e complexa, visto que na tentativa de se comparar tal modalidade com as loterias comuns, emprestou-se apenas os conceitos de tributação que prejudicam o contribuinte, sem as devidas contraprestações que possuem outros setores.
Autoria: Natã Filipi Naves Caldas
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