Fonte: Revista Gestão & Negócios, edição 128/janeiro de 2020
Ricardo Botós da Silva Neves*
Muito tem-se falado sobre startups e mais recentemente as scale-ups, empresas que são tidas como grandes inovações. Da forma como os empreendimentos são apresentados a impressão que fica é que são fórmulas para o sucesso garantido, pois uma boa ideia gera a intenção de empreender, que inicia um negócio bem sucedido, que em algum tempo passa a valer alguns milhões é vendida para um fundo de investimentos ou sócio estratégico, e os empreendedores idealizadores (fundadores) do negócio ficam ricos.
Ocorre que a realidade é bastante diferente. No Brasil, o índice de mortalidade das startups é muito alto, pois 25% morrem com menos de 1 ano de vida, 50% com menos de 4 anos e 75% com menos de 13 anos, conforme levantamento realizado pela Fundação Don Cabral. A análise do resultado da pesquisa permite concluir que no Brasil a maioria das empresas startup sequer atingem o estágio de escalonamento (scale-up).
Importe desmistificar o que são as tais startups e scale-ups. Basicamente as startups são empresas jovens que buscam a inovação em qualquer área ou ramo de atividade, procurando desenvolver um modelo de negócio escalável e que seja repetível. As scale-ups, por sua vez, são empresas com um alto grau de crescimento por 3 anos consecutivos, acima de 20% ao ano, tanto em receita como em número de funcionários. Ainda, as scale-ups devem apresentar um modelo de negócio sustentável. Desta forma, a scale-up é um estágio intermediário entre a startup e as corporações consolidadas.
Contudo, uma boa ideia não é o suficiente para se criar uma empresa de sucesso. Os empreendedores devem dar especial atenção às questões legais que envolvem o projeto, o que juntamente com o foco no objetivo, atuação financeira profissional e retenção de talentos são a base de sustentação que farão com que uma boa ideia se torne um empreendimento de sucesso.
As empresas startup e scale-ups em razão da inovação e velocidade de crescimento que são exigidos, na maioria dos casos necessitam de investimentos além daqueles iniciais dos fundadores como forma de acelerar a velocidade do crescimento e escalonamento. Em muitos dos casos o fomento se origina dos “investidores anjos”, que, sem exceção, tem grande preocupação nas questões jurídicas e legais.
Com isso, cabe ao empreendedor dar especial atenção aos pontos legais e, em especial, com a (i) formação da empresa, (ii) proteção da propriedade intelectual, (iii) gestão de contratos e (iv) implantação de governança corporativa. Os itens aqui apresentados são aqueles de despertam maior atenção aos potenciais investidores que buscam retorno financeiros e consolidação, que somente ocorrerão se não existirem pendências legais e jurídicas.
Portanto, o desafio que o empreendedor moderno tem de enfrentar é iniciar um negócio que legalmente esteja formatado para o sucesso.
No momento da formatação da empresa deve ser dedicada especial atenção à formalização de um acordo de sócios (founders and partners agreement), onde são alinhadas as expectativas dos fundadores, a capacidade financeira e as perdas suportáveis, definição de como cada sócio irá contribuir para a sociedade, entre outros pontos sensíveis aos fundadores e a própria sociedade, evitando-se com isso litígios societários.
Outro item que merece destaque é a proteção da propriedade intelectual, tanto de marcas, como patentes e os segredos industriais ativos intangíveis mais de grande valor e importância para a corporação.
Os contratos garantem que o direito da empresa esteja devidamente protegido, o que deve ser feito pela análise e avaliação prévia à formalização (assinatura), com isso garantindo que as cláusulas e condições da avença estejam formalmente perfeitas, evitando a existência de cláusulas dúbias, conflitantes e até no limite ilegais e, portanto, contrários aos interesses da corporação. Ademais, importante destacar a necessidade da gestão dos contratos já formalizados, de forma a haver o controle dos prazos de vigência, validade, renovação, reajustes, cláusulas penais, entre outros necessários para evitar a necessidade de questionamentos e discussões das avenças. Desta maneira, a correta gestão dos contratos desde o momento prévio a contratação evita insegurança jurídica nas relações contratuais e passivos financeiros.
O empreendedor precisa ter atenção com a implementação, desde o início do negócio, de uma política de governança corporativa, para com isso serem empregadas as melhores práticas desde a sua criação.
Tais medidas demonstram a preocupação do empreendedor de como a empresa é administrada e o relacionamento entre stakeholders internos (sócios, diretoria, conselho de administração) e externos (órgãos de fiscalização, controle, regulamentação, governo, legislação), ou seja, reúne as estratégias que uma corporação tem para demonstrar seu valor, que precisa ser materializado em um documento legal que cria normas de como tais relacionamentos devem ocorrer, o que inclusive torna público tais políticas a todos os integrantes da empresa.
As boas práticas, organização, métodos, disciplina, ética e procedimentos como parte da governança corporativa são benefícios empresariais fundamentais que contribuem para o aumento da competitividade e da rentabilidade, trazendo, também, mais segurança jurídica a empresa e aos sócios.
Empresas com uma sólida base legal e jurídica criam e mantêm muito mais qualidade nas suas operações, conseguem atrair mais investidores, obtém melhores taxas de financiamento, crescem mais e melhor, e são mais admiradas e sustentáveis.
O tempo, a energia e o dinheiro empregados na estruturação legal rendem frutos e geram sustentabilidade empresarial. A chave do sucesso está na origem do negócio e o suporte jurídico é fundamental.
A preocupação e implementação das providências legais aqui indicadas representam um importante desafio para quem quer empreender no Brasil e, certamente, representam importantes medidas para que um empreendimento tenha sucesso e não venha a engrossar as elevadas estatísticas das empresas startup e scale-ups que não conseguiram atingir o grau de corporações consolidadas.
*Advogado, sócio responsável pela área de Direito Societário de Monteiro & Neves Advogados. Mestrandoem Corporate and Securitiesna UCL – University College London. Especialista em Direito Econômico e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito das Relações de Consumo pela PUC/SP. Membro da Comissão de Business Law da American Bar Association e da Comissão de Corporate e M&A da International Bar Association. Membro da Singapore Corporate Counsel Association.
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