Fonte: Migalhas | Link
Bruno Tadeu Radtke Gonçalves
A caracterização de subvenção para custeio ou para investimento tem sua relevância entre administrados e os Estados-Membros, mas que são totalmente irrelevante para fins de caracterização da hipótese de incidência do IRPJ e da CSLL, como bem definiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça.
terça-feira, 30 de julho de 2019
CompartilharWhatsApp
Introdução
Não há dúvidas que a famigerada “guerra fiscal” tem sido objeto de diversos estudos doutrinários e decisões judiciais, sobretudo em relação à possibilidade de o Estado de destino glosar créditos de ICMS oriundos de operações interestaduais, onde o Estado de origem concede benefícios fiscais, tais como isenções e créditos outorgados, visando reduzir a carga tributária estadual das pessoas jurídicas localizadas em seu território, atraindo, portanto, maiores investimentos, empregos e riqueza em detrimento da análise do pacto federativo.
Inobstante existam várias considerações acerca da presente temática, passaremos a analisar a “guerra fiscal” com outra ótica, qual seja: a análise sobre a incidência do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL sobre os créditos outorgados pelos Estados à revelia de aprovação mediante Convênio ICMS aprovado pelo CONFAZ.
Do objeto da controvérsia acerca da incidência do IRPJ e da CSLL sobre os créditos presumidos de ICMS
t
Embora entendemos e reverenciamos a relevância de análise do texto constitucional, bem como do Código Tributário Nacional para o percurso gerador de sentidos na construção das normas jurídicas, razão pela qual a sua análise de forma detida e minuciosa se torna relevante para os estudos e formações de normas gerais e abstratas, bem como individuais e concretas, realizaremos recortes metodológicos necessários para o devido enfrentamento da presente matéria, de modo a conferir maior objetividade e proporcionar uma análise pragmática sobre a temática, utilizando, para tanto, uma análise lógica e semântica dos entornos da presente questão.
O artigo 155, §2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição da República1 prescreve que caberá à Lei Complementar dispor sobre como os Estados e o Distrito Federal concederão e revogarão isenções, benefícios e incentivos fiscais.
À LC 24/75, coube tratar do presente assunto, sendo convencionado pela necessidade de aprovação entre os Estados, através do CONFAZ, onde seria elaborado os Convênios ICMS, como forma de preservar o pacto federativo.
A controvérsia do presente estudo orbita em torno da natureza jurídica dos créditos presumidos de ICMS concedidos pelos Estados sem a autorização de Convênio ICMS.
Referida análise se torna essencial, na medida em que a sua natureza jurídica impactará nas características do fato jurídico, de modo que a depender de sua classificação, poder-se-á configurar como hipótese de incidência tanto do IRPJ, quanto da CSLL.
Nesse sentido, o artigo 44, inciso IV, da lei 4.506/64 enuncia prescritivamente:
Art. 44. Integram a receita bruta operacional:
(…)
IV – As subvenções correntes, para custeio ou operação, recebidas de pessoas jurídicas de direito público ou privado, ou de pessoas naturais.
Conforme se observa, o dispositivo normativo supratranscrito determinou que as subvenções para custeio integravam a receita bruta operacional e, nesse sentido, a Fazenda Pública Nacional entendia que uma espécie da referida subvenção eram os créditos presumidos de ICMS, atraindo, desse modo, a incidência do IRPJ e da CSLL.
O primeiro entendimento da União, entretanto, restou superado pelo acórdão proferido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, nos autos do EREsp 1.517.492/PR, publicado em 1º/2/182, onde se entendeu pela impossibilidade de se tributar os incentivos fiscais de ICMS concedidos pelos entes públicos pela União, na medida em que haveria um rompimento do pacto federativo. Explica-se: enquanto os Estados e o Distrito Federal estarão a fomentar uma determinada região ou, ainda, um campo específico de atuação empresarial/produtivo, a União, por sua vez, tributaria aquele valor, esvaziando a competência tributária e a autonomia dos demais entes públicos (princípio da subsidiariedade), ferindo, dessa forma, a cooperação e a igualdade dos entes públicos frente à Federação, de modo a prevalecer o interesse da União frente os Estados-membros.
Ocorre que com o advento da LC 160/17, a qual tinha como principal escopo a tentativa de por fim à guerra fiscal do ICMS, a situação jurídica restou alterada por força dos artigos 9º e 10 da citada novel legislação, a qual adicionou os parágrafos 4º e 5º ao artigo 30 da lei 12.973/14, passando a tratar os incentivos fiscais, ainda que concedidos à margem de convênio ICMS (e, portanto, à revelia do CONFAZ), como subvenção para investimento, podendo, dessa forma, haver a dedução da base de cálculo, desde que cumpridas condições devidamente determinadas.
Houve, dessa maneira, um ressurgimento da discussão acerca da incidência do IRPJ e da CSLL sobre os créditos presumidos/outorgados de ICMS, uma vez que, no entender da Fazenda Nacional, a discussão acerca das subvenções de custeio restariam superadas, uma vez que os incentivos e benefícios fiscais passaram a ser tratados como subvenção de investimento.
Cabe ressaltar que o parecer normativo CST 112/78 determinou que a subvenção para custeio tem como escopo auxiliar a empresa “face ao seu conjunto de despesas”, ao passo que a subvenção para investimento “na aplicação específica em bens ou direitos para implantar ou expandir empreendimentos econômicos”3.
Na subvenção para investimento, conforme se observa, há evidente necessidade de apresentação ao Poder Público concedente dos projetos de aplicação necessária dos valores relativos ao benefício concedido.
Ainda, o artigo 30 da lei 12.973/144 determina que tais subvenções para investimento não serão computadas para fins do lucro real, desde que registrada em reserva de lucros que deverão, obrigatoriamente, ser utilizadas apenas na absorção de prejuízos e/ou no aumento do capital social, sendo que, caso não observados os requisitos do mencionado dispositivo legal, haverá sim a incidência do IRPJ e da CSLL.
Não há dúvidas, por certo, que há na legislação analisada isoladamente evidente distinção entre as modalidades de subvenção de investimento e de custeio, de modo que, em relação ao primeiro, caso não haja o cumprimento das determinações expressamente estabelecidas, tais benesses fiscais caracterizar-se-ão como hipótese de incidência do IRPJ e da CSLL.
Ocorre que nenhum dispositivo normativo pode ser analisado de forma isolada, de modo que, conforme enuncia descritivamente o professor Paulo de Barros Carvalho5, a construção da norma passa por um Percurso Gerador de Sentidos, sendo necessário, para tanto, a análise com o sistema, levando-se em consideração as demais normas (inclusive aquelas emitidas pelo Poder Judiciário) em sede de subordinação e coordenação.
Desse modo, passará a se analisar se a LC 160/17 passou a possibilitar a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os créditos presumidos de ICMS.
Conclusão: a LC 160/17 implicou em possibilidade de incidência do IRPJ e da CSLL sobre os créditos presumidos de ICMS?
Conforme mencionado anteriormente, não se nega haver distinção entre os incentivos fiscais concedidos com caráter de subvenção de custeio e aqueles com nítida natureza jurídica de subvenção de investimento, sendo, por certo, que o texto legal positivado contém prescrições distintas em relação a cada uma das subvenções.
Em relação aos primeiros, conforme mencionado, a questão restou definida pelo E. STJ quando do julgamento do EREsp 1.517.492/PR, no sentido de não haver a incidência de IRPJ e de CSLL.
A Fazenda Nacional, entretanto, tentou reaver a referida matéria com o advento da LC 160/17, uma vez que esta passou a tratar os incentivos e benefícios fiscais de ICMS como subvenção de investimento.
Tal posicionamento, entretanto, não nos parece o mais adequado. Expliquemos.
O artigo 926 do Código de Processo Civil6 prescreve que as decisões dos tribunais devem ser uniformes, de modo que a jurisprudência deve ser estável, íntegra e coerente.
Por sua vez, o artigo 489, §1º, inciso VI, também do Código de Processo Civil7 considera não fundamentada a decisão que deixe de seguir um precedente, sem demonstrar a distinção no caso do julgamento (distinguishing) ou a superação de entendimento (overruling).
Dessa forma, a uniformização da jurisprudência deverá levar sempre em consideração a ratio decidendi do precedente existente.
Não se nega que a decisão proferida EREsp 1.517.492/PR não fora decidido com caráter de recurso repetitivo, nem sequer a matéria reste definida, mas demonstra, através de embargos de divergência em recurso especial o entendimento já proferido pelo STJ.
De fato, a matéria abordada não levou em consideração as espécies de benefícios ou incentivos fiscais de ICMS, mas a própria classe, uma vez que o seu entendimento pela não incidência do IRPJ e da CSLL se deu em razão da preservação do pacto federativo.
Dessa maneira, não haveria distinguishing ou, ainda, overruling em relação ao novel entendimento da Fazenda Nacional, uma vez que os fundamentos que corroboram com o entendimento de não incidência do IRPJ e da CSLL permanecem incólumes: não pode a União tributar benefícios e incentivos fiscais concedidos pelos Estados-Membros.
Nesse sentido, foi o entendimento em recente julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 1.605.245/RS8, publicado em 28 de Junho de 2019, onde se entendeu pela irrelevância da classificação dos créditos presumidos de ICMS como “subvenção para custeio” ou “subvenção para investimento”, sendo irrelevante as alterações promovidas pela LC 160/17 para a análise sobre a hipótese de incidência do IRPJ e da CSLL para a temática objeto do presente estudo, uma vez que a matéria já havia sido objeto de análise do STJ quando do já citado julgado nos autos do ERESP 1.517.492/PR.
Ademais, ao nosso ver, referido entendimento se demonstra coerente com o ordenamento jurídico-positivo pátrio, em especial com as disposições constitucionais.
Por certo, não se pode admitir qualquer posicionamento – seja da Administração Pública, do Poder Legislativo ou, ainda, do Poder Judiciário – que venha tentar afrontar o Pacto Federativo e a liberdade que deve ser conferida aos entes públicos para cobrar, gerir e administrar aquilo que está sob a sua ingerência, em especial, no presente caso, quanto aos tributos.
Dessa forma, a renúncia, total ou parcial, da cobrança de um tributo por ente público não pode ser objeto de tributação, sob pena de (i) ir contra os objetivos do concedente do benefício fiscal, uma vez que sobre o referido incentivo haveria incidência tributária e consequente majoração do preço da mercadoria, afrontando o pacto federativo; (ii) bem como de ferir a imunidade recíproca esculpida no artigo 150, inciso VI, alínea “a”, da Lei Fundamental, uma vez que os créditos presumidos de ICMS tratam de valores que foram dispensados pelos Estados-Membros.
Concluímos, portanto, que a caracterização de subvenção para custeio ou para investimento tem sua relevância entre administrados e os Estados-Membros, mas que são totalmente irrelevante para fins de caracterização da hipótese de incidência do IRPJ e da CSLL, como bem definiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça.
1 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
(…)
XII – cabe à lei complementar:
(…)
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
2 TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. ICMS. CRÉDITOS PRESUMIDOS CONCEDIDOS A TÍTULO DE INCENTIVO FISCAL. INCLUSÃO NAS BASES DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DA PESSOA JURÍDICA – IRPJ E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO – CSLL. INVIABILIDADE. PRETENSÃO FUNDADA EM ATOS INFRALEGAIS. INTERFERÊNCIA DA UNIÃO NA POLÍTICA FISCAL ADOTADA POR ESTADO-MEMBRO. OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO E À SEGURANÇA JURÍDICA. BASE DE CÁLCULO. OBSERVÂNCIA DOS ELEMENTOS QUE LHES SÃO PRÓPRIOS. RELEVÂNCIA DE ESTÍMULO FISCAL OUTORGADO POR ENTE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO FEDERATIVO. ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. INCONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE N. 574.706/PR). AXIOLOGIA DA RATIO DECIDENDI APLICÁVEL À ESPÉCIE. CRÉDITOS PRESUMIDOS. PRETENSÃO DE CARACTERIZAÇÃO COMO RENDA OU LUCRO. IMPOSSIBILIDADE.)
3 “SUBVENÇÃO PARA CUSTEIO é a transferência de recursos para uma pessoa jurídica com a finalidade de auxiliá-la a fazer face ao seu conjunto de despesas”.
(…)
“As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos concedida como estimulo a implantação ou expansão de empreendimentos econômicos (…)”.
4 Art. 30. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para:
I – absorção de prejuízos, desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais Reservas de Lucros, com exceção da Reserva Legal; ou
II – aumento do capital social.
§ 1º Na hipótese do inciso I do caput , a pessoa jurídica deverá recompor a reserva à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes.
§ 2º As doações e subvenções de que trata o caput serão tributadas caso não seja observado o disposto no § 1º ou seja dada destinação diversa da que está prevista no caput , inclusive nas hipóteses de:
I – capitalização do valor e posterior restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitado ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou subvenções governamentais para investimentos;
II – restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social, nos 5 (cinco) anos anteriores à data da doação ou da subvenção, com posterior capitalização do valor da doação ou da subvenção, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído, limitada ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou de subvenções governamentais para investimentos; ou
III – integração à base de cálculo dos dividendos obrigatórios.
§ 3º Se, no período de apuração, a pessoa jurídica apurar prejuízo contábil ou lucro líquido contábil inferior à parcela decorrente de doações e de subvenções governamentais e, nesse caso, não puder ser constituída como parcela de lucros nos termos do caput , esta deverá ocorrer à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes.
§ 4º Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo. (Incluído pela Lei Complementar nº 160, de 2017)
§ 5º O disposto no § 4º deste artigo aplica-se inclusive aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados.
5 Seguindo esta construção exegética e partindo da premissa da unicidade do texto jurídico-positivo que se pode alcançar os quatro subsistemas pelos quais se locomovem obrigatoriamente todos aqueles que se dispõem a conhecer o sistema jurídico normativo: a) o conjunto de enunciados, tomados no plano da expressão; b) o conjunto de conteúdos de significação dos enunciados prescritivos; c) o domínio articulado de significações normativas; e d) os vínculos de coordenação e subordinação que se estabelecem entre as regras jurídicas. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 7ª edição revista. São Paulo: Noeses, 2018, p. 194)
6 Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
7 Art. 489 (omissis)
(…)
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
(…)
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
8 RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 2. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 535, CPC/1973. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. SÚMULA N. 284/STF. EXCLUSÃO DOS CRÉDITOS PRESUMIDOS DE ICMS DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA JURÍDICA – IRPJ E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO – CSLL. IRRELEVÂNCIA DA CLASSIFICAÇÃO COMO “SUBVENÇÃO PARA CUSTEIO” OU “SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO” FRENTE AOS ERESP. N. 1.517.492/PR. CONSEQUENTE IRRELEVÂNCIA DOS ARTS. 9º E 10 DA LC N. 160/2017 E §§ 4º E 5º DO ART. 30, DA LEI N. 12.973/2014 PARA O DESFECHO DA CAUSA. (STJ – REsp nº 1.605.245/RS – 2ª Turma – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – Data da Publicação: 28/06/2019)
Deixe um comentário